Desde o início de 2019, o presidente em exercício, Jair Bolsonaro, tem se pautado no negacionismo e em suas convicções pessoais e morais para a condução das políticas públicas do país. Em paralelo, a transparência e a participação social vêm sofrendo gravíssimos ataques, impossibilitando ainda mais o aprofundamento democrático. Nesse sentido, a nova investida tomou forma no novo orçamento, que poderá ou não ser aprovado no próximo dia 22 de abril, que não só reduz a verba direcionada à transparência em -3%1, mas ataca frontalmente a democracia ao impossibilitar a realização do Censo 2021.
Ao final de março, a União decidiu por um corte robusto nos recursos previstos ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a realização do Censo – a principal pesquisa demográfica do país. Realizada a cada decênio, segundo determinação legal2, a pesquisa não foi realizada em 2020 em virtude da pandemia do novo coronavírus. Agora em 2021, devido à redução de 94% na verba específica, corre o risco de não ser realizado uma vez mais, de forma que os concursos para contratação de recenseadores foram cancelados3.
A primeira problemática que se delineia é justamente quanto ao atraso no levantamento desses dados. Se não houver o levantamento de novos dados, o banco de dados disponibilizado pelo IBGE ficará extremamente defasado. Os governos formularão políticas públicas e farão planejamento com dados referentes a mais de uma década atrás. Esse novo adiamento seria um trágico retrocesso para o país. Ainda, existe o descumprimento de norma jurídica específica que estabelece o prazo para a realização.
Sobretudo, a inexistência desta pesquisa impossibilita a condução e a elaboração de políticas públicas de longo prazo no Brasil. O Censo, além de servir como fonte para inovação acadêmica e científica, é uma ferramenta direcionadora de políticas, incluindo repasses a municípios, ajudando na identificação de gargalos, potencialidades e urgências concretas na vida da população brasileira. No atual cenário de emergência sanitária, a pesquisa seria, inclusive, fundamental para a correta definição de grupos de risco e para a superação de desafios logísticos.
O Censo, ainda, é parte fundamental do cumprimento do direito de acesso à informação. Apenas cientes da realidade material que os cerca é que cidadãos podem atuar de maneira informada na sociedade – o que seria papel da pesquisa.
Esse cenário, contudo, impõe um desafio ainda maior. Mesmo que a pesquisa ocorra com os 6% dos recursos disponíveis, a enorme redução impede que sejam fornecidos, por exemplo, capacitação e equipamentos de proteção individual (EPIs) aos recenseadores que eventualmente atuem na pesquisa, expondo os profissionais e a população ao risco de contaminação por Sars-Cov-2. Ou seja, mais do que nunca, o Censo necessita de toda a verba inicialmente planejada para a sua efetiva realização.
Dessa forma, a alternativa possível é o veto a esse grave corte orçamentário. Não existe justificativa fática para que se reduza os custos com a realização de uma pesquisa sociodemográfica que serve de referência mundial. Em um país de dimensões continentais e de gritante desigualdade social como o Brasil, em que o Censo é de fundamental importância, esse ataque orçamentário deve ser visto com grande preocupação pela sociedade civil e rechaçado de todas as formas.
São Paulo, 20 de abril de 2021
Rede de Transparência e Participação Social – RETPS
Notas
- https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/04/orcamento-de-2021-favorece-programas-ligados-ao-bolsonarismo.shtml
- Lei Federal nº 8.184/1991
- https://www.poder360.com.br/governo/corte-no-orcamento-faz-ibge-suspender-provas-para-agentes-do-censo-2021/